*Por Marina Silva
A Conferência do Clima da ONU, que se iniciou em 31.10, em Glasgow, no Reino Unido, é, sem nenhum exagero, uma oportunidade fundamental para garantir a continuidade da existência da vida humana no planeta e assim deve ser encarada. Estamos vivendo uma crise climática que se manifesta através de eventos extremos como tempestades, furacões, inundações, ondas de calor insuportáveis, incêndios, seca, alteração ecológica dos oceanos, derretimento do gelo dos polos do planeta, entre outras coisas. As consequências imediatas desses eventos são a redução da produção de alimentos, inflação em seus preços, falta de água potável, mortes de pessoas por incêndios, enchentes ou ondas de calor e uma retroalimentação da crise climática, pois a cada desastre ambiental o colapso dos nossos sistemas ecológicos vai se ampliando.
Já avançamos muito em conhecimento científico sobre esses fatos e também na regulação e normas para lidar com eles, mitigá-los ou nos adaptarmos como países a suas condições. Mas até aqui as possibilidades de consensos diplomáticos têm se mostrado frágeis para resolver o déficit de implementação dessas normas, aplicação técnica dos conhecimentos e mudar o perfil dos investimentos dos recursos financeiros globais.
Nossa rota civilizacional está equivocada. O mundo investe, conforme o documento “A economia da biodiversidade: relatório DASGUPTA”, de US$ 4 a 6 trilhões anuais em indústria fóssil e outras agendas de destruição e o apoio aos países emergentes, no valor de US$ 100 bilhões anuais, para que eles enfrentem a crise climática e adotem tecnologias para criar um modelo sustentável de produção e consumo ainda está sendo objeto de esforço nas articulações da COP 26. Irracionalmente e com nível de negacionismo absurdo, as empresas e muitos governos não percebem que não é uma questão de escolha, ou paramos as emissões de gases de efeito estufa ou não haverá mundo para que eles usufruam de suas fortunas acumuladas a custo da vida no planeta.
Nesse contexto, o Brasil teria o grande e importante papel de continuar a ser parte da solução, como aliás já fomos. Poderíamos liderar a construção de um novo ciclo de prosperidade a partir de recursos inesgotáveis como vento, sol, floresta manejada, e praticar sua distribuição com justiça e não acumular as riquezas no bolso de uns poucos. Somos o país que está no topo do ranking da ONU em biodiversidade e temos em nosso território 11% das águas doces do planeta, percentual que deve ser alterado para mais com a descoberta da dimensão gigantesca do aquífero Alter do Chão na Amazônia. No entanto, desde 2019 estamos sendo governados por uma força política obtusa, negacionista, reacionária e irresponsável com essa posição do país. O governo Bolsonaro não tem a menor capacidade e nem intenção de promover políticas ambientais que respeitem essa condição que temos frente aos demais países.
Nosso país está na COP 26 na condição de pária, de participante das tendências geopolíticas que nos levarão à extinção. A ONU denunciou o Brasil, na semana passada, de ser o único dos países que recuou nas suas metas de redução de emissões. Mesmo tendo anunciado a mudança de 43% para 50% de redução de emissões até 2030, depois da pressão que sofreu, continuamos liderando o atraso climático, posto que especialistas afirmam que para dar uma contribuição efetiva, a redução teria que ser de cerca de 80% até 2030.
A diplomacia brasileira tenta – ironicamente em um mundo interligado em tempo real – convencer a opinião pública internacional de que o governo é vítima de calúnia. Esquecem convenientemente que satélites, a ciência, a imprensa, correspondentes internacionais, mostram todo dia ao mundo a política de destruição ambiental, de tolerância e até apoio aos crimes ambientais, de perseguição aos povos indígenas e outras comunidades tradicionais que é a real política praticada pelo governo Bolsonaro.
A Comissão de Meio Ambiente do Senado está levando à COP 26 um “Relatório de Avaliação das Políticas Climática e de Prevenção e Controle do Desmatamento no período 2019-2021”, que desmascara o discurso manipulador que o governo tenta emplacar e se contrapõe como um dos poderes da República ao discurso do Executivo. No Relatório constam também proposições para que o Brasil desenvolva uma política ambiental à altura de sua condição de país mega diverso e, assim, retome seu protagonismo no cenário mundial nas questões ambientais. Além dos Senadores, os governadores da Amazônia se organizaram em um consórcio para apresentar projetos voltados à bioeconomia da Amazônia e solicitar recursos não como uma chantagem sobre receber recursos ou não cuidarão da Amazônia, como faz o governo federal desde a gestão de Ricardo Salles no MMA, mas com propostas e responsabilidades assumidas.
É preciso que a população pressione seus governos para assumir compromissos maiores na redução de emissões, na mudança de suas matrizes energéticas privilegiando as fontes renováveis e abandonando as fósseis e transitando para um modelo de produção fabril sustentável social e ambientalmente. Nós, do Brasil, temos essa tarefa como das mais importantes não só para nosso país, mas para a humanidade, pois esse é o papel ambiental que nos toca cumprir neste planeta.