Senador Randolfe Rodrigues
Os devaneios autoritários de Bolsonaro atingiram um perigoso patamar com a descoberta da existência de um dossiê produzido dentro do Ministério da Justiça contra servidores públicos identificados como “antifascistas”. No total, 579 pessoas são listadas no dossiê, na maioria ligadas à área da segurança pública, além de professores universitários. Em comum a todas elas, o posicionamento crítico ao governo conduzido por Jair Bolsonaro.
O documento, compilado pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (Seopi), traz uma lista com nomes, endereços e até mesmo fotografias das pessoas espionadas, bem como suas redes sociais. Subordinada diretamente ao ministro André Mendonça, a Seopi produziu o dossiê sigilosamente até a sua descoberta e divulgação pelo jornalista Rubens Valente. Os relatórios das tarefas não estavam submetidos a acompanhamento judicial.
As informações foram reunidas após a eclosão de diversas manifestações antifascistas ocorridas de norte a sul do Brasil. Um manifesto publicado por servidores da ativa e aposentados de diferentes forças da área da segurança pública serviu de motivação para a investigação. As pessoas monitoradas foram divididas por região do país e classificadas de acordo com a sua influência, sendo alguns “formadores de opinião” identificados.
Poucos dias após a descoberta deste dossiê, o governo Bolsonaro editou decreto alterando a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), praticamente dotando-a de capacidade ativa para requerer informações a quaisquer órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SBI) sobre o manto do vago “interesse nacional”. Antes eram recebidas passivamente pela Abin –quando identificados dados relevantes por alguns dos órgãos que compõem o SBI.
Pode-se dizer que o decreto editado por Bolsonaro prevê o acesso aos relatórios e demais documentos sem observância aos termos e condições relativos às normas e procedimentos para o intercâmbio de informações entre os órgãos componentes do SBI.
O compartilhamento de dados e informações é parte fundamental dos serviços de inteligência. Entretanto, tais trocas devem ser muito bem fundamentadas e existem dispositivos constitucionais disciplinando o tema. Não se pode permitir que, com uma simples canetada, sejam excluídas as devidas motivações para o compartilhamento.
Em ambas situações –o dossiê produzido pelo Ministério da Justiça e o decreto de alteração da Abin– podemos observar o aparelhamento do Estado e suas instituições com objetivos que parecem distantes do interesse nacional e mais próximos aos interesses do governante de plantão, inaugurando um novo movimento do intuito bolsonarista de corrosão da democracia e dos valores republicanos. Os arroubos retóricos colocados em prática.
O Congresso Nacional não assistirá passivamente a ruína democrática do Brasil. A Rede Sustentabilidade e o PSB ingressaram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contrária ao decreto de aparelhamento da ABIN. A intenção é impedir a recriação de um novo SNI, o Serviço Nacional de Informações da Ditadura Militar, responsável por compilar dados que levaram à prisão, morte e desaparecimento de centenas de pessoas.
Também apresentamos, em conjunto com o senador Jaques Wagner, requerimento à Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência solicitando esclarecimentos ao ministro André Mendonça sobre o dossiê produzido pela Seopi. A previsão é de que uma reunião entre os membros da comissão e o ministro ocorra nesta 6ª feira à tarde. Na ocasião serão exigidas as devidas explicações e motivações para mais esta afronta à democracia perpetrada por Jair Bolsonaro.
Artigo publicado no site Poder 360