Em entrevista à Sputnik Brasil, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comentou o possível afastamento de Ricardo Salles, a necessidade do envolvimento do setor privado na agenda ambiental, bem como o veto ao plano de socorro emergencial aos povos indígenas por Jair Bolsonaro.
Nesta segunda-feira (6), o Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal o afastamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por cometer improbidade administrativa e por “desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente”.
Para a ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente, e candidata à presidência nas últimas três eleições Marina Silva (Rede-AC), o seu partido, Rede Sustentabilidade, foi pioneiro ao encaminhar o pedido de afastamento do atual ministro.
“O ministro Ricardo Salles é declaradamente, assumidamente, em atos e palavras, um antiambientalista. E a presença dele no ministério do Meio Ambiente é claramente um desvio de função e de finalidade, porque ele não atende aos pré-requisitos da Lei nº 6.938, de [31 de Agosto de] 1981, que estabelece as bases para quem vai assumir essa pasta. Quem assume essa pasta passa a ser o coordenador máximo do sistema nacional do Meio Ambiente. E ele não pode fazer aquilo que são as suas convicções e seus interesses particulares ou de grupo. Ele tem que agir em conformidade com a lei que rege o sistema nacional de meio ambiente. Até porque as consequências de um desvio de função e de finalidade de quem está no topo do sistema desagrega todo o sistema”, disse Marina Silva à Sputnik Brasil.
A ambientalista alertou que os estados e municípios estão “por conta própria”, porque o atual ministro “desconstruiu o sistema nacional de meio ambiente, enfraqueceu orçamentariamente o ministério e desconstruiu as políticas que vinham dando certo, principalmente na agenda de combate ao desmatamento.
Marina Silva denunciou a perseguição aos gestores públicos atuantes na área e classificou as atitudes de Salles de desvio de função.
“Ele não deveria estar no ministério do Meio Ambiente. Na verdade o que ele faz é sabotar a pasta, quando deveria ser alguém que estaria lá para atuar em conformidade com a lei. O Artigo 225 da Constituição Federal estabelece que todos os brasileiros e brasileiras têm direito a um meio ambiente saudável e que isso deve ser provido na forma da legislação infraconstitucional e dos mecanismos de gestão pública que são criados para isso nos mais diferentes entes federais. Então o afastamento dele é mais do que necessário, mais do que legal, e já tem um precedente”, acrescentou a política.
Para ela, quando o STF vetou, ainda em abril, a nomeação do indicado pelo presidente Bolsonaro, Alexandre Ramagem, para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, foi aberto um precedente. Se, no caso do Ramagem, a medida foi preventiva, no caso de Salles, com “vastas provas” comprovando o desvio de função, o afastamento seria natural.
Pressão dos investidores
Quando questionada sobre as formas de mitigar a crise no Meio Ambiente, a ex-senadora disse estar “mais do que na hora” do setor privado assumir a responsabilidade pela defesa do desenvolvimento sustentável no país.
“Isso já aconteceu em outras situações. Em 2009 nós tivemos uma articulação de 22 empresas que assinaram uma carta de que cumpririam as metas de redução e, a partir dali, a posição do governo na época mudou”, destacou a interlocutora da Sputnik Brasil.
Marina avalia a situação como dramática. Além de uma “crise econômica sem precedentes”, o agronegócio, um dos poucos setores funcionais da economia, está sob ataque de fundos de investimento por descumprir os regulamentos em relação aos direitos humanos, defesa do meio ambiente, defesa da floresta e dos povos indígenas.
“Então está mais do que na hora dessas iniciativas começarem a ter uma agenda. E a agenda, no meu entendimento é: que seja retirado da pauta o PL da Grilagem; que seja retirado da pauta do Congresso o Marco Temporal para os povos indígenas; que se amplie cada vez mais no Plano Safra os recursos para agricultura de baixo carbono porque, aliás, o Plano Safra deve ser com base na agricultura de baixo carbono, pois é um programa ABC [Financiamento a investimentos que contribuam para a redução de impactos ambientais causados por atividades agropecuárias]; que se inicie um processo de certificação dos produtos brasileiros e a certificação de toda a cadeia [produtiva] com rastreabilidade em relação aos fornecedores e de todo o processo”, afirmou a ex-ministra.
Marina Silva reconheceu que uma agenda dessa magnitude demanda tempo, mas reiterou a necessidade de ação. Segundo ela, comitês de acompanhamento da agenda devem ser criados pelo setor privado, de forma transparente, com participação da sociedade civil e da comunidade científica. A medida colocaria o setor em uma relação de proatividade, “como já aconteceu nos Estados Unidos”.
A ambientalista lembrou que, nos Estados Unidos, quando Trump quis reativar a indústria do carvão, foram os próprios segmentos da economia que demonstraram não estar interessados em energia fóssil produzida dessa maneira, provocando um recuo da Casa Branca.
“A mesma coisa precisa acontecer urgentemente aqui no Brasil. A agenda está pronta, as pessoas sabem o que fazer e com certeza saberão como fazer, e o governo nesse um ano e meio não fez nada, só fez agravar a situação. Este ano o desmatamento vai ser pior do que no ano passado. As queimadas serão piores do que no ano passado. Os dados do INPE já estão mostrando que tivemos, até aqui, desmatamento maior no mês de junho do que no ano passado e o maior desmatamento nos últimos 13 anos. Aliás, maior número de queimadas. Mas as queimadas se dão em cima de desmatamento, os dois caminham juntos”, explicou a entrevistada.
No final de junho, fundos de investimento, que gerenciam ativos de quase R$ 21 trilhões, cobraram do governo brasileiro mais respeito às pautas ambientais, em uma carta aberta, na qual alertaram que a perda da biodiversidade representa um risco aos seus portfólios. Para Marina estas são as consequências da crise no setor, bem como a perda de contratos com o Fundo Soberano norueguês, entre outros investidores.
“O mundo vai caminhar nessa direção. Se os democratas ganharem nos Estados Unidos, essa agenda da retomada econômica com base na economia vai ser alavancada. A Europa já está nesse movimento de que vai fazer a retomada com base na economia verde. A Alemanha, a França e a Holanda estão com protagonismo muito forte em relação à essa agenda. Então, o governo brasileiro que, até agora, não fez nada para manter o que tinha, pelo contrário, desmontou o que tínhamos e agravou a situação, não dá para colocar na mão dele a responsabilidade de evitar que o Brasil fique trancado do lado de fora”, afirmou.
Negacionismo e antiambientalismo
Quando questionada sobre as possíveis consequências da crise na pasta do Meio Ambiente para o atual governo, Marina Silva respondeu que o maior prejudicado será o país, pois o “governo não se importa com o meio ambiente”.
“O governo é negacionista convicto. Não tem a altura e a profundidade do que está colocado no mundo. O prejuízo é para os 220 milhões de brasileiros. O prejuízo é para a economia brasileira. O prejuízo é para as florestas brasileiras. O prejuízo é para aqueles que estão sofrendo as consequências de um governo negacionista e antiambientalista. Os prejuízos são ambientais, são sociais e são econômicos. Isso acontece no contexto em que a gente precisa de parcerias. Parcerias comerciais, parcerias na pesquisa científica, parcerias de cooperação na área de saúde. O Brasil está sendo trancado do lado de fora por uma ação deliberada desse governo. O prejuízo é enorme”, lamentou Marina Silva.
A política destacou a importância da pauta ambiental, mesmo em tempos de pandemia.
“Depois da pandemia, a agenda é das mudanças climáticas. O mundo não vai ter como fugir desse debate e da implementação das ações que já foram produzidas na forma de proposta de objetivos do desenvolvimento sustentável, do Acordo de Paris, Agenda 2030. Esse é o caminho”.
Socorro aos povos indígenas
Ao comentar os mais recentes acontecimentos políticos e os vetos de Jair Bolsonaro aos itens da medida de socorro emergencial aos povos indígenas, a política destacou a competência do governo em “arranjar pessoas incompetentes para determinadas áreas”.
Como exemplo, ela citou a dança das cadeiras promovida nos ministérios da Educação e da Saúde, que agora estaria se estendendo para o setor de Direitos Humanos.
“Vemos o Presidente da República vetar o plano de socorro emergencial para os indígenas. Vários itens importantes e estratégicos foram vetados, mesmo o fornecimento de máscaras para proteger as pessoas. E você não tem nenhuma reação de nenhum setor do governo. Então, se existe alguma competência neste governo, é para escolher pessoas inadequadas ou pessoas incompetentes para assumir pastas que são estratégicas, como é o caso do Meio Ambiente, como é o caso da Educação, como é o caso das Relações Exteriores. Como é agora esse problema dramático do presidente vetar, praticamente da cabeça ao pé, a lei que foi aprovada para proteção emergencial das populações indígenas”, afirmou a política.
Para a ex-senadora, esse quadro será considerado pelos investidores, que se reuniram nesta quinta-feira (9) com o vice-presidente Hamilton Mourão. Ela acredita que não adianta o governo fazer propaganda de ações futuras, pois o que importa seria “uma questão de fato e uma questão de ato”.
Avanço das queimadas
O Brasil já registrou no mês de junho o maior número de focos de queimada nos últimos 13 anos. Marina Silva questionou a posição de Brasília sobre o tema. O vice-presidente Mourão, quando confrontado com os dados, coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), anunciou que a informação seria apurada. A ex-ministra considerou a atitude como desrespeitosa.
“Quem é que vai fazer essa depuração? Aí, ele coloca mais uma vez, ainda que não de forma agressiva, como fez Bolsonaro no ano passado, a mesma suspeição sobre os dados do INPE”, ponderou Marina.
Para Marina Silva, as queimadas devem ser combatidas e não podem ser naturalizadas. Ela criticou a atribuição equivocada aos povos indígenas do uso indiscriminado da queimada, como técnica de preparo dos terrenos para a agricultura.
“Não pode ser comum querer usar tecnologia que era feita pelos índios, que estão há milhares de anos nessa região, com impacto praticamente zero, fazendo clareiras de subsistência, por um dos maiores produtores de grãos e de proteína animal no mundo. Isso não é comum”, declarou a ambientalista.
Marina destacou que o Brasil já possui tecnologia e conhecimento suficientes para permitir ganho de produção sem danos ao meio ambiente. O que falta é o vontade política.
“É isso que tem que acontecer e não naturalizar um processo que não é natural para a realidade de um país que tem mais de 70% da sua balança comercial baseada em commodities, principalmente commodities agrícolas”, concluiu.
Por George Ribeiro (SputnikNews)