A entrevista do ex-marqueteiro do PT, João Santana, no Roda Viva, em 26.10, é um espetáculo sobre um país que precisamos superar e transitar para uma vida política mais saudável, honesta, com valores e respeitosa com a coisa pública: tanto as estruturas de governo, como os direitos da população, quanto com os impostos arrecadados para financiar o bem comum.
O profissional mais caro da história do marketing político no Brasil, foi ao programa dar entrevista na condição de prisioneiro em regime semi-aberto, cumprindo pena por lavagem de dinheiro no uso de Caixa 2.
Perguntado sobre seus serviços eleitorais de 2014, apresentados como “campanha de difamação contra Marina”, João Santana reagiu dizendo que foi mentira de Marina Silva a atribuição da criação de fake news à campanha petista, ou seja, por ele e sua contratante, a então candidata Dilma Roussef. A mentira, a astúcia, o cinismo, são fenômenos da alma humana que permeiam nossa vida social e alimentam a dramaturgia e a literatura na história da humanidade. No entanto, produzir mentiras como estratégia principal de campanha e em escala industrial é o que foi conceituado como fake news. E foi esse o grande legado de João Santana antes de se encontrar com o capítulo mais dramático de sua vida: a investigação, a detenção, a prisão e a delação para se livrar do encarceramento.
Como vinha fazendo desde o princípio da entrevista, manejando sua inegável habilidade com o uso das palavras, criou sinônimos fofos para se referir à total falta de ética em seu trabalho no processo eleitoral daquele ano. Chamar de “metáforas em choque”, no “campo do exagero”, que caracterizariam uma discussão política, as peças produzidas para a campanha de Dilma Roussef, é de uma condescendência enorme consigo mesmo e com seus contratantes. O vídeo em que diz que Marina Silva iria entregar o BC aos banqueiros, outro que ela iria abandonar a exploração do pré-sal, o que levaria a população à fome e um terceiro dizendo que Marina subtrairia R$ 1,3 trilhões da Educação, quando o orçamento de 2015 tinha só 40 bilhões destinados à Educação – fato que ele diz não se lembrar – não tem como contornar e não têm outro nome possível que não seja fake news, difamação, em um trabalho remunerado com Caixa 2.
A campanha produzida por Santana não foi uma discussão política, não foi também um ataque agressivo entre adversários ferrenhos, não tinha objetivo de desconstruir a campanha eleitoral da concorrente, foi sim um massacre, sistemático, cruel, desonesto e mentiroso para acabar com a pessoa, com a história de vida, para destruir a credibilidade, para esmagar o ser humano. Felizmente, a história pessoal, a retidão de caráter, a coerência dos atos praticados com o discurso anunciando seus valores não podem ser apagados, nem mesmo pela arrogância e vaidade de quem exerceu um poder enorme na República, mesmo sem cargo público nenhum, como prestador de serviço da iniciativa privada.
Em dado momento da entrevista, abusando de seu traquejo com retórica, João Santana faz perguntas do tipo “que campanha é essa que se destrói com um comercial?” e fica claro que as declarações iniciais na entrevista, de encontro com a sua “verdade interior”, são uma peça antecipadamente preparada para apresentar um personagem palatável ao público espectador. Mais uma vez Santana mente, pois não foi “um comercial”; em cada estado, em cada região, foi criada uma narrativa, uma mentira, ou meias verdades para destruir a reputação de Marina. No Pará, Marina iria acabar com o Círio de Nazaré; no Rio Grande do Sul, Marina iria acabar com os campos de fumo; no Rio de Janeiro, Marina iria acabar com a Petrobrás; em São Paulo, Marina iria acabar com as romarias a Aparecida do Norte; no Distrito Federal, iria acabar com o Playstation e a lista não se esgota aqui. Foram montadas equipes de ação por bairros nas cidades para espalhar as fake news profissionalmente elaboradas e foram repassadas missões de difamação para os agentes políticos da base partidária. Uma estratégia de quem “faria o diabo pra ganhar as eleições”. E todas essas coisas foram encontradas e percebidas por muitos partidários da campanha de Marina em suas relações, sua vizinhança, em suas andanças durante a campanha, também em todo Brasil. Foi uma campanha territorial e digital para tentar aniquilar Marina. E se ela dissesse que estava sendo vítima de acusações falsas, ainda era acusada da fraca e incapaz.
Conforme as próprias palavras do marqueteiro, a campanha é um jogo, é um confronto. Ele sequer admite a possibilidade de outras concepções mais democráticas onde campanha é um momento de debate de projeto de país, de oferecer propostas de políticas públicas à população, de se colocar como prestador de serviço ao público para administrar os bens públicos. A verdade é que no universo cínico de João Santana e na vaidade de uma personagem que sonha com vitórias a qualquer preço, esse momento não é um jogo como ele diz, é sim uma batalha campal, pois nos jogos pelo menos há regras.
Apesar de se dizer defensor de uma auto crítica do PT, com essa entrevista, percebe-se que João Santana também não se arrependeu e respondendo uma pergunta da entrevistadora diz sua pequena frase de dimensões gigantescas: “eu faria de novo”. O que fez com Marina ficou evidente e visível, mas os ataques à democracia escapam aos olhos e foram ainda mais profundos. O enorme reforço da naturalização do Caixa 2, das fake news, do ódio como código de disputa política, foram prenúncios para o que vivemos atualmente. João Santana foi a era do plantio, da criação de ideias para incorporar à uma cultura política tóxica que experimentamos agora e não tem nenhuma autocrítica por ter sido arquiteto conceitual da base do que aí está, talvez nem consciência tenha.
A Rede Sustentabilidade repudia suas práticas, desacredita de suas declarações auto condescendentes, de sua indignação quando chamado de mentiroso na entrevista, pois suas próprias palavras e defesa da obra que tanto mal fez ao país e à democracia demonstram que o profissionalismo com que vende manipulações, que seu talento produz, está intacto e ainda pode fazer mal a nós todos.