por Iza Vicente
Novembro negro. É aquele mês que a gente sabe que vai trabalhar mais do que o normal, vai ser chamado para dar entrevistas, palestras e tudo o mais. Tem quem se irrite com isso, e é justa a irritação, porque realmente é incômodo que pessoas brancas tenham visibilidade a todo momento e pessoas negras tenham apenas “um mês para serem vistas”. Eu entendo. Mas posso dizer com muita tranquilidade: não é o meu caso. A cada novembro eu fico ainda mais animada para ser voz, fico mais motivada para inspirar pessoas, para ver aquela carinha de alívio quando os alunos negros me veem ali, na frente deles, dizendo que sonhar é possível.
Em novembro no ano passado, em uma dessas agendas do novembro negro, pude visitar a festividade de consciência negra do Quilombo Machadinha, em Quissamã, cidade vizinha de Macaé. E que momento, foi único! Dava para sentir no ar, na pele das pessoas, no olhar delas, uma tradição africana muito forte, que se refletia na culinária, nas danças, nas artes ali expostas. Isso é consciência negra. Ver as senzalas que se tornaram moradia, museu, lugar para arte e para viver, e a casa grande literalmente em ruínas.
Como vereadora jovem e negra da região, me emocionei por estar ali, conversando com Dona Dalva, que me contou toda a história do local. Me emocionei de ver as fotos, de conhecer suas raízes, e de sentir pertencimento. Isso é consciência negra. Machadinha não era um quilombo de fuga, mas sim de resistência. Resistir. Existir.
Infelizmente, ainda hoje encontramos pessoas que descredibilizam o Dia da Consciência Negra. Pessoas que não veem como quase 400 anos de escravidão impactou e impacta a vida de pessoas negras. Gente que não têm consciência de que pessoas negras foram trazidas sequestradas para o Brasil, e aqui foram escravizadas. E seus filhos, e seus netos… E como esses séculos se mostram até hoje a economia, o modo de produção, a mão de obra, a desigualdade. Desigualdade essa até em fatores básicos para se viver, como falta de saneamento básico. São dados públicos como do IBGE que nos mostram isso: pesquisa de 2018 mostrou que a população negra reside em maior número em domicílios sem coleta de lixo (12,5% – população branca: 6,0%), sem abastecimento de água por rede geral (17,9% – população branca: 11,5%), e sem esgotamento sanitário (42,8% – população branca: 26,5%). (IBGE, 2019).
Se temos até dados para ilustrar o que as pessoas negras passaram e passam até hoje, o que falta a esses que não conseguem ver? A consciência negra.
O dia de hoje, “dia da consciência negra”, é mais do que uma data, um feriado. É um convite para refletirmos sobre o passado, o presente e a construção de um futuro. É dia de nos perguntarmos, todos nós, brancos e negros: o que estamos fazendo hoje por um futuro mais consciente? Eu valorizo e reconheço a cultura, a música, os costumes de pessoas negras? De onde vem essa comida que eu gosto tanto? Eu respeito as religiões de matrizes africanas? Nós estamos agradecendo a todos e todas que vieram antes de nós e abriram caminhos para uma sociedade mais igualitária? Eu conheço a história de Dandara? De Carukango? O que está sendo feito hoje para que um jovem negro tenha as mesmas oportunidades que um jovem branco? Eu tenho consciência negra?
Inspirada nas lembranças de minha visita ao Quilombo Machadinha e em tudo que vivi ali, naquele dia de sol, vento no rosto, samba no pé e feijoada no prato, que eu convido você a fazer essa reflexão, e juntos pensarmos uma Macaé, um Rio de Janeiro, um Brasil, que reconheça o valor, a cultura e a luta de pessoas pretas que não se calaram, que não se dobraram, e enfrentaram e enfrentam o racismo com muita coragem. Isso é consciência negra.
Iza Vicente é Vereadora pela REDE, em Macaé/RJ